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Dilma Roussef: President**a** do Brasil

Ao redigir um post recente, peguei-me novamente a escrever a palavra “presidenta” para me referir a Dilma Roussef. Grande polêmica no início do ano 2011, percebo que nunca abordei a questão de saber se devemos adotar “presidente” ou “presidenta” para nos referir a Dilma Roussef.

 

Pois acreditem que esta foi uma polêmica muito séria, que dividiu as opiniões e deu o que falar em lista de profissionais de língua.

Eu vejo este debate como a confluência de duas questões fundamentais:
1) o rigor da língua (dicionário, gramática, etimologia,…)
2) o uso e a validade (e validação) deste

Os argumentos aue priorizam o rigor da língua tendem a valorizar o uso de presidente:

Meu colega Florisvaldo Machado, em determinado debate em listas, levantou o argumento inicial que me parece indiscutível: no plano etimológico, dar a um substantivo masculino terminado por -ente uma marca de feminino -enta é sem sentido. Em quase nenhuma outra palavra terminado por -ente isso ocorre: não há videnta, pacienta, adolescenta, gerenta, clienta, atendenta,…
(MAS: “chefa” e “parenta” são dicionarizados, bem como… “presidenta”, sendo porém considerado informal)

É justamente o que Luiz Costa Pereira Junior destaca, em seu excelente artigo, muito abrangente:

(…) a equipe do Lexikon, que atualiza o dicionário Aulete, avalia que os substantivos e adjetivos de dois gêneros terminados em -ente não apresentam flexão de gênero terminado em -a. Por isso, não dizemos “gerenta”, “pacienta”, “clienta” etc. Caso fosse “presidenta”, por coerência, diríamos “a presidenta está contenta” e “o presidente está contento”, exemplifica o grupo.

Luiz Costa Pereira Junior aponta ainda:

Ernani Pimentel diz que “presidenta” pertence às palavras “andróginas, hermafroditas ou bissexuadas”, como “pianista”, “jovem”, “colega”, comuns de dois gêneros. Terminadas em -nte (amante, constante, docente, poluente, ouvinte…), não usam o / a para indicar gênero. O fator linguístico a limitar essa “androginia”, tornando a palavra só masculina ou feminina, é o artigo (o amante, a amante); o substantivo (líquido ou água poluente); o pronome a ela ligado (nosso ou nossa contribuinte). Ao oficializar “presidenta”, diz Pimentel, arrisca-se a “despender energia”, criando “amanta”, “constanta”, “docenta”, “poluenta”, “ouvinta”…(…)

 

Por outro lado, é tendência cada vez maior de que o uso deve predominar. E embora isto faça prevalecer a adoção do uso de presidenta, tampouco aqui todo mundo concorda:

Apostando na ambivalência dos dois vocábulos (presidente e presidenta), aliás de forma um pouco simplista (evocar a “norma culta” e se ater a discutir se o termo é ou não dicionarizado é uma ofensa à gramática), a Presidência argumenta a favor da escolha presidenta. No site em que apresenta o cargo, estampa o título orgulhosamente: Presidenta. E começa o texto assim:

Primeira mulher a se tornar Presidente da República do Brasil, Dilma Vana Rousseff nasceu em 14 de dezembro de 1947, na cidade de Belo Horizonte (MG).
(o site passa por constantes mudanças, portanto se não encontrarem mais este texto lá, significa que foi alterado, como me parece que deveria ser)

Não vamos dizer que ajudou, né?

Por comparação com outros idiomas latinos, principalmente o espanhol pela proximidade (por vezes enganosa…), buscou-se também mostrar regras já validadas para aprovar uma ou outra escolha. Por exemplo, recordou-se a polêmica exigência da presidenta argentina de ser chamada: “la Presidenta Kirchner”.

Os períodicos e principais canais de informação passaram a servir como autoridades que justificariam o uso; mas até hoje, estes não conseguiram se pôr de acordo entre si: a Folha de São Paulo não arredou de presidente (a não ser de forma debochada), enquanto a “Voz do Brasil” adotou presidenta (e é um canal oficial).

O uso passado poderia, ao contrário do esperado, justificar o feminino em -ente, como argumenta Sérgio Nogueira em seu blog Dicas de Português:

É bom lembrar que a acadêmica Nélida Piñon, quando eleita, sempre se apresentou como a primeira PRESIDENTE da Academia Brasileira de Letras. Patrícia Amorim, desde sua eleição, sempre foi tratada como a presidente do Flamengo.

E pior. O desuso futuro pode ser determinante, como já foi com outras palavras. Ou seja, mesmo se aceitamos “presidenta”, resta a saber se vai vingar de fato ou se só vai ficar lá no dicionário (e.g., o caso de “chefa”, que não é usado para mulheres que chefiam). Ora, justamente, o gramático Ataliba de Castilho aponta que:

Há “soldada”, “sargenta”, “coronela”, “capitã” e “generala”. Mas o Exército, ele mesmo, evita adotá-las.

O mesmo Ataliba levanta a interessante questão da ressignificação do vocábulo “presidente” ao adotarmos “presidenta”. Até então, sempre tivemos homem na presidência e “presidente” era, de fato, uma palavra neutra que designaria aquele – ou aquela – que ocupasse o cargo presidencial. Se hoje passamos a dizer que Dilma é a Presidenta do Brasil, “presidente” vai passar a designar unicamente homens que ocupem a presidência. E talvez esta ressignificação não se atenha à Presidência da República e passe a se aplicar a qualquer presidência (de uma empresa, por exemplo).

 

Na selva de prós e contras muitas vezes procedentes, fato é que o profissional de idiomas, nomeadamente o tradutor e o intérprete, precisa fazer esta escolha fatal: presidente, ou presidenta?

Fato 1: o PL 210/55 (veja figura abaixo que apresenta uma versão escaneada do texto original), que virou a Lei Ordinária federal 2.749, de 1956, do senador Mozart Lago, determina o uso oficial da forma feminina para designar cargos públicos ocupados por mulheres.

Fato 2: a Presidência optou por Presidenta. E em um evento hipotético em que eu tenha que interpretar para o português algo dirigido à Presiden…ta, eu não ousaria dizer “Excelentíssima Senhora Presidente, é com satisfação…”. Mesmo ela não estando presente (presenta?), entendo que o fato da Presidência ter optado por “presidenta” cria uma certa expectativa da audiência, que pode estranhar o uso de “presidente” para se referir a Dilma Roussef.

Assim, fazer questão de adotar president**a**, correto ou não (e isso pode nunca ser esclarecido de forma definitiva), é uma questão evidentemente política, de afirmação da ascensão das mulheres ao poder e da igualdade de sexos. É tão preponderante quanto o background popular do Lula, que conquistou não apenas 3 eleitorados nacionais (por que convenhamos que o pleito de 2010 também o teria eleito com facilidade), como também o respeito internacional. O resultado foi, no caso dele, que poucos o chamavam pelo sobrenome no exterior: “Monsieur da Silva”, seria engraçado, ao passo que sempre vi Fernando Henrique Cardoso ser chamado de “Monsieur Cardoso” lá fora. Não há gramática que legitime estas escolhas. O uso traz uma marca da percepção popular sobre aquilo que está sendo falado, um sinal de como o emissor da mensagem compreende (interpreta…) o que diz.

Pois não adianta paladinar em (suposta) defesa da pureza do idioma, se o que está em jogo é a igualdade dos sexos no Brasil*. Em tese, se este tipo de afirmação pode mudar a posição das mulheres na sociedade brasileira, o “erro” vale a pena e a Presidência fez a escolha acertada.

 

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(*) = isto dito, não são poucos aqueles que argumentam que fazer esta diferenciação terá o efeito contrário do esperado: chamando a atenção para a diferença, a Presidência optou por, afinal, discriminar. É um argumento com o qual concordo, mas só o tempo e o uso podem mostrar se este cenário se concretiza.

 

Projeto de Lei 210/55

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