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Artigos sobre mau desempenho de intérprete

Digam o que quiserem, o intérprete está sempre exposto quando exerce sua atividade. E uma das consequências disto é o surgimento de uma quantidade crescente de artigos jornalísticos (eletrônicos ou impressos) que destacam os supostos “fracassos” deste profissional.

Vou citar dois exemplos e quero comentar mais especificamente o segundo.
Este artigo
é famoso por envolver a atual presidenta Dilma Roussef.
E este artigo, mais recente, é o que pretendo comentar, envolvendo um jogador de futebol que acaba de entrar no Paris Saint-Germain.

A primeira coisa que podemos dizer é que o intérprete nunca será a parte fácil de se elogiar; isso deve explicar por que não me recordo de ter visto nenhum artigo que destacasse o desempenho do intéprete ao lidar com tudo aquilo que, apesar de tudo, costuma ocorrer: péssima capacidade de expressão da pessoa a interpretar, péssimas condições técnicas (equipamento, montagem, etc.), pedidos confusos ou contraditórios do cliente, mobilização de última hora que afeta a preparação do profissional, fato de colocarem profissionais errados para atuar no que não atuam (erro clássico: mobilizar um intérprete de conferências para fazer interpretação consecutiva…), etc. E não digo que nunca somos elogiados! Afirmo apenas que é muito raro, para não dizer raríssimo, que isto seja feito publicamente – ao passo que é cada vez mais frequente que artigos publicados destaquem as supostas falhas do profissional, sem ter muita base séria para julgar. Os elogios chegam, normalmente, na saída da cabine, no contato posterior com o contratante,… e ficam atidos à esfera pessoal.

 

O que estou tentando dizer é que sempre será confortável e fácil para um jornalista escrever uma matéria na qual ele denigre o trabalho de um intérprete, pelos seguintes motivos:

-toda a autoridade está do outro lado. Ou, em outras palavras, o elo fraco é o intérprete e se alguém vai ser culpabilizdo, é ele. Em qualquer caso de dificuldade de comunicação, ao criticar o trabalho do profissional, as chances de angariar algum tipo de inimizade são absurdamente menores do que criticar, por exemplo, a capacidade de expressão da autoridade, ou a péssima organização da mesma produtora que colocou um crachá de acesso em volta do seu pescoço. E estou pensando tanto em simpatia por parte dos leitores (que certamente vão preferir tomar as dores do Leonardo do que do intérprete), de implicações técnico-profissionais (criticar a organização que permitiu seu acesso ao evento?), quanto em processo por dano à imagem (no caso de falar mal da presidenta).

-o jornalista pode tranquilamente falar de algo que desconhece completamente: interpretação. E pode fazê-lo por dois simples motivo: 1) seus leitores são tão ignorantes quanto ele da matéria, portanto ninguém vai estranhar a certa facilidade com a qual afirma que o trabalho do profissional foi ruim; e 2) o profissional em questão não tem espaço para resposta e esclarecimento. Se Globoesportes.com falou para todos os brasileiros deste país que o trabalho de um determinado profissional foi ruim, ele que aguente e os leitores que continuem desinformados a respeito 1) do que realmente aconteceu e 2) do que é ser intérprete.

-nenhum intérprete vai de fato promover o que talvez coubesse legitimadamente aí: um processo por danos à imagem causado pelo artigo escrito por alguém que não entende nada do assunto interpretação. Já a outra parte – presidência, ou o PSG – tem assessoria jurídica de sobra para vigiar o que jornalistas pouco informados saem dizendo por aí.

 

Para falarmos mais especificamente do supracitado recente artigo, envolvendo um colega profissional de quem desconheço a identidade e o famoso expoente do esporte bretão, a verdade é que raramente teremos, através de um artigo jornalístico, elementos suficientes para julgar se o trabalho foi, de fato, ruim. Aqui, a única pista, que é longe de ser segura, diz respeito ao volume de fala: quando um falava muito, outro interpretava pouco. Mas daí para afirmar que a incompetência está provada…

Além disso, desconhecemos as condições: não sabemos se o profissional é mesmo apenas tradutor, se ele sabe fazer consecutiva, se ele entende de futebol, se os interpretados se expressaram direito (além de muito volume de fala), etc. Estas omissões por parte do artigo condenam a certeza daquele leitor atento e informado de que quem pisou na bola foi o intérprete.

Quando o jornalista escreve “o tradutor permaneceu calado (…)” e chama o profissional de “funcionário” no subtítulo do artigo, vislumbro um jornalista que se enganou até no título do profissional (intérprete, não tradutor ou funcionário!!) e assina, assim fazendo, um atestado de ignorância sobre o assunto a julgar, a qualidade do serviço prestado, salvo o único sintoma, bem pobre: “o cliente reclamou”.

Mas há um tom, esse mais discreto por talvez ser mais criminoso, que parece voluntário e francamente mal-intencionado, por parte do jornalista, de desclassificar de antemão o profissional. E isso, no meu ver, tendeu mesmo para a falta de respeito.
-o emprego da palavra “jovem”, belo eufemismo para dizer inexperiente. E se a questão é experiência, eu gostaria neste momento de conhecer a idade desse jornalista.
-o emprego da palavra “rapaz” me parece menosprezadora. Um prestador de serviço profissional não é um “rapaz”. Tenho certeza que o jornalista não gostaria que comentassem seu artigo dizendo que “aquele rapaz escreveu um artigo sobre futebol”, por exemplo.

 

Pois quando menos esperávamos, a frase final do artigo nos dá uma pista que difere bastante da hipótese de incompetência do intérprete: “Após o incidente, o tradutor permaneceu calado até o fim da coletiva, na qual as perguntas foram feitas em espanhol para facilitar a vida dos jornalistas.”. (obviamente, o grifo é meu). Pobres jornalistas que não conseguem nem fazer seu trabalho direito! Alguém tem que ser culpado publicamente por isso… não é?

Por fim, se o jornalista pode criticar o intérprete (ou tradutor, nem isso sabemos), então criticar-lo-ei de volta:
(…) “se contentava em resumir em poucas palavras” é de uma redundância injuriante, que chego a suspeitar ter sido voluntária e abusivamente enfática. E estamos falando de alguém cuja profissão consiste em escrever!! E atrás de quem um editor ainda validou, suponho, o texto…

 

Para concluir, diria que vem crescendo sensívelmente o destaque para notícias em que o intérprete acaba sendo culpado por algum tipo de dificuldade de comunicação.

Mas são poucos os artigos que oferecem base confiável para apurar que a culpa pela falha de comunicação foi mesma do profissional, e não ligada a uma série de outros fatores que costumam prejudicar o desempenho da atividade, que o público geral desconhece totalmente.

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